É possível fotografar o tempo através das transformações no espaço urbano? Acumular passado e presente em uma mesma imagem, convidando o espectador para uma investigação visual e arqueológica? O Betoneira Podcast conversou com o fotógrafo alemão Michael Wesely sobre fotografia e cidades. Pioneiro em fotografias de longa exposição, Michael desenvolveu uma técnica que permite expor um mesmo negativo por horas, dias ou mesmo anos. O resultado é a condensação de todo o tempo de exposição em uma única fotografia, gerando imagens poéticas de grande impacto visual.
Abandonei a ideia de verdade na fotografia e descobri que a longa exposição danifica a imagem de um modo muito bonito. — Michael Wesely
Na conversa, Michael conta que seu interesse pela fotografia de longa exposição começou cedo, assim que ele iniciou seus estudos. Na visão do artista, a fotografia está mais perto da invenção do que da verdade. Seu desejo não é fazer o registro fiel de algo que aconteceu na realidade, mas captar o movimento e a transformação causados pela ação do tempo. No começo de sua carreira Wesely logo abandonou a ideia de “momento decisivo” e começou sua pesquisa com a fotografia de longa exposição.
Eu entendi que existe poesia na ausência das coisas, principalmente quando você pensa em filmes antigos dos anos 50 que lidavam muito com a sombra. As sombras faziam parte da narrativa.
O fotógrafo também fala da sua relação de longa data com o Brasil. Um de seus projetos mais conhecidos foi o Câmera Aberta, na sede do IMS (Instituto Moreira Salles), em São Paulo (SP), em 2014. As câmeras digitais e analógicas construídas por Wesely registraram a obra do IMS Paulista por quase três anos e foram desinstaladas ao final da construção, em 2017. O artista explica o processo criativo para escolher os pontos nos quais as câmeras ficariam posicionadas. Segundo Wesely, é preciso trabalhar com aquilo que o entorno oferece, sempre levando em conta diferentes perspectivas.
Os meus tripés são os prédios e procuro fazer o melhor com as possibilidades disponíveis em cada projeto.
Michael Wesely constrói suas próprias câmeras e conta que durante algum tempo as pessoas pensaram que ele usava uma câmera pinhole (câmera rústica em geral feita com lata que deriva do inglês, “pin-hole”, ou seja, “buraco de alfinete”). Entretanto, a pinhole não capta todos os detalhes que ele procura, o que o levou a construir seus próprios equipamentos. As imagens criadas pelo artista trazem inúmeras informações que, para serem apreciadas, pedem um olhar demorado e investigativo por parte do espectador. Esse processo foi denominado por Wesely de “arqueologia visual.”
E se você quiser se divertir e tiver algum tempo, então você pode olhar e encontrar tantas pequenas histórias nessas imagens. Minhas fotos são milhares de histórias virtuais armazenadas.
Outro aspecto fundamental do seu trabalho é a falta de controle sobre a imagem final. Wesely conta que ele precisa estar disponível às imagens que aparecerão após os longos meses ou anos em que suas câmeras ficam abertas. Para se referir a essa falta de domínio, ele cita o icônico compositor americano John Cage, famoso por sua concepção musical que abraça o improviso e o impoderável.
O projeto Arquivo Brasília também aparece na conversa. O livro organizado por Michael Wesely e Lina Kim reúne 1400 imagens da capital antes de sua criação até 2010. Trata-se do maior levantamento iconográfico já feito sobre a cidade.
Todo o projeto levou sete anos para ser concluído. Lina e eu começamos em 2003 e coletamos imagens de todos os lugares que você possa imaginar. Criamos um arquivo que existe apenas neste livro e está pronto para ser usado.
A conversa terminou com uma reflexão do artista sobre memória e a função da fotografia no futuro das cidades. Para Wesely, é esperado que cada geração interrogue as imagens que foram feitas no passado, gerando novas reflexões e questionamentos.